Ao me deparar com
as chamadas teorias éticas, percebo que dificilmente encontraremos em uma delas
a teoria ideal. Todas possuem bons argumentos favoráveis e outros tantos
argumentos que as pões em descrédito. Na verdade acredito que cada indivíduo,
mesmo os que defendem abertamente uma teoria específica, tende a criar sua
própria norma ética a partir de uma concha de retalhos de aspectos relevantes
de cada uma delas, mesmo se identificando mais com uma ou outra.
O que percebo
haver em comum em todas, é a busca pela manutenção da ordem social. Mesmo para
um anarquista, a despeito da falsa idéia que se tem a respeito de sua
ideologia, a busca pela ordem ainda é um objetivo comum, apesar da forma pouco
ortodoxa utilizada. Assim podemos dizer - contrariando um dos argumentos do relativismo cultural - que existem sim,
valores absolutos ou comuns a todas as culturas ou sociedades: os valores ou
atitudes essenciais à sua própria subsistência, como a proteção ao incapaz, a
presunção da verdade e o repúdio ao assassinato, por exemplo. Não estamos
falando aqui em verdade absoluta em nível pessoal, estamos apenas partindo do
princípio de que o próprio conceito de ética refere-se à regulamentação de
normas para o convívio mútuo viável.
Partindo dessa
premissa podemos afirmar que ao estudar o que seria a concepção ideal de norma ética,
primeiramente devemos analisar o que seria ideal para a sociedade. Esta afirmação
parece eliminar a teoria do egoísmo ético
como considerável, pela simples inclusão da palavra “sociedade” em seu
enunciado. Na verdade estamos admitindo nosso anseio por uma sociedade viável
por considerá-la imprescindível para cada um dos indivíduos que a compõe: Para
garantir meus interesses, preciso garantir a viabilidade da sociedade.
Talvez
a mais egoísta das teorias seja a ética
religiosa. Seus adeptos costumam
conviver em grupos que em sua maioria pregam a caridade e o amor ao próximo.
Porém, ao afirmar que devemos agir de determinada maneira para agradar a Deus
ou porque ele assim ordenou, estamos afirmando que tanto a preocupação com o próximo
quanto caridade legítima pertence exclusivamente a Ele e que quando o fazemos é
apenas para, individualmente, recebermos suas recompensas ou evitarmos seu
castigo.
Já
o subjetivismo tem como argumento de
objeção, o fato de desconsiderar a razão, pois ao afirmar que a moral é
limitada pelo que cada um acredita ser correto ela ignora que o homem, além de desejos,
também possui razão, e esta transcende nosso julgamento de valores; ela, a
razão, é a conclusão lógica do que é correto, livre de sentimentos ou
preconceitos. Ela demonstra que o ser a humano é falho se opondo à teoria da
infalibilidade humana do subjetivismo.
A razão demonstrará a verdade dos fatos, e nos apontará o melhor caminho ou o
mais “vantajoso” no longo prazo, livrando-nos das armadilhas da busca por
prazer ou da felicidade imediata.
O
contratualismo parece procurar
resolver os problemas de conflitos das demais teorias. Nesta teoria, em uma
visão simplista, firma-se um compromisso, onde as partes negociam o que é
melhor para cada uma, cedendo em alguns pontos a fim de se chegar à melhor
razão custo-benefício e de evitar as disputas onerosas do tipo “vence o mais
forte”. Admite-se que o resultado pode não ser o melhor possível para cada um,
mas garante que para todas as situações, sairemos ganhando de alguma forma,
eliminado o risco da derrota. A preocupação não é com o bem-estar do próximo e
sim garantir um resultado mínimo. O dilema
do prisioneiro deixa bem claro que em uma relação regida por contrato,
mesmo que informal, o resultado não será o melhor para um e o pior para o outro
e sim um meio termo favorável a ambos onde há sinergia: a soma dos resultados
obtidos para ambos será maior do que a mesma soma se cada um agisse segundo
seus próprios interesses. Pela ótica utilitarista,
poderíamos dizer que no contratualismo, para
evitarmos o risco, trocamos parte do prazer que poderíamos obter agindo de
forma individualista, para garantir a fuga do sofrimento para o maior número de
indivíduos.
O
utilitarismo parte do princípio que o
ser humano age, em última instância, movido por dois objetivos: buscar prazer
ou felicidade e evitar sofrimento. Considerando o homem como parte da sociedade
e dela dependente, o utilitarismo
defende então, um código moral que proporcione o alcance destes objetivos ao
maior número possível de pessoas. Dessa forma ele apenas sugere, à semelhança
do contratualismo, uma forma de se
garantir uma maior probabilidade de obtenção do prazer individualmente já que, como
parte dessa sociedade, somos potenciais beneficiados desse “engajamento”. Os
mórmons e os judeus, entre outros grupos sociais religiosos ou étnicos nos
Estados Unidos, apresentam índices de sucesso profissional e financeiro superiores
à média americana. É fácil de constatar que isso se deve, em muito, pelo fato
de estas comunidades agirem sinergicamente na forma de apoio mútuo. Judeus
costumam comprar em lojas de judeus, mórmons preferem contratar outros mórmons
para trabalhar em suas empresas, etc. Outro exemplo disso é a maçonaria. Não
estamos dizendo que estes grupos seguem às máximas utilitaristas e é bem
provável, aliás, que outras teorias éticas expliquem melhor o código moral
adotado por cada uma delas, mas servem como um bom exemplo de pensamento
utilitarista onde a ação é voltada para a maximização da satisfação em termos
quantitativos e não necessariamente qualitativos. A preocupação real continua
sendo individual, apenas atribui-se à ação em sociedade o poder de alcançá-la
de forma mais eficaz. Mesmo quando esta teoria diz que o indivíduo - e não
somente a sociedade - deve basear sua ação na maximização quantitativa da
felicidade, o que se está dizendo é que todos os indivíduos deveriam agir dessa
forma para garantir como resultado final uma maior probabilidade de satisfação
para cada indivíduo. O comunismo é um bom exemplo: será que os defensores desse
regime estão preocupados com o bem social, ou estariam apenas fugindo da disputa
capitalista por não terem condições de vencer ou simplesmente por não estarem
dispostos a competir?
Com
base no que foi dito até aqui, parece-me interessante acreditar nos preceitos do
egoísmo psicológico sem, no entanto,
defender os conceitos normalmente atribuídos de forma pejorativa – muitas vezes
injustamente - ao egoísmo ético. Mas,
segundo Palmer (2008), o egoísmo ético apenas conclui o que a
teoria do egoísmo psicológico já
deixa subentendido: ora, se somos incapazes de fazer algo sem quaisquer
interesses, então consequentemente só devemos fazer o que nos é conveniente, já
que é inconcebível exigir de alguém o que ele é incapaz de fazer. No entanto,
contrariando o objetivo do autor, esta sua conclusão me leva então a considerar
a viabilidade do egoísmo ético, já
que me parece mais difícil desconsiderar o psicológico.
Apesar
de as diferentes teorias éticas discutirem o que seria o padrão ideal de moral
ou de ética, todas acabam convergindo para o mesmo objetivo: a busca pela
satisfação pessoal ou felicidade do indivíduo. A discussão na verdade seria
sobre qual a melhor forma de se obter esta satisfação, e a preocupação com o
próximo seria apenas a ponderação das consequências de nossas atitudes enquanto
ser social. O indivíduo egoísta, no sentido popular da palavra, é então aquele
em quem falta a razão e o discernimento necessários para perceber que esta
atitude o será prejudicial a médio ou longo prazo.
O egoísmo
psicológico não afirma que uma mãe seria incapaz de defender seu filho se
para isso ela tivesse que abrir mão da própria vida, pelo contrário, ela afirma
que seria insuportável para uma mãe conviver com o fato de não ter salvado seu
filho mesmo podendo fazê-lo. Sua ação, segundo o egoísmo psicológico teve como objetivo afastar de si este
sofrimento. Mesmo quando alguém diz: “Não tenho interesse algum, fiz pelo
simples prazer em ajudar”, fica explícito que o real motivador da ação foi “o
prazer em ajudar”. Não tenho a pretensão
de diminuir a nobreza de tais gestos apenas pondero que talvez grande questão a
ser discutida seja: quão nobres e
razoáveis são os desejos que nos movem?
Já que de uma forma ou de outra sempre procuraremos satisfazê-los,
algumas vezes movidos pelos desejos ou sentimentos, outras pela razão, pois como
disse Pegorano (2010): “A razão, a vontade e a liberdade formam o campo onde se
processa, cresce e amadurece a ética”
Bibliografia:
Palmer,
Michael. Problema morais em medicina: Curso prático. Tradução de Bárbara
Theoto Lambert. Editora do Centro
Universitário São Camilo: 1999.
Pegorano,
Olinto. Ética dos maiores mestres
através da história, 4º edição – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.